- “É ótimo ver o compromisso mútuo”
- “É muito transformador estar juntas com o mesmo objetivo vindo de diferentes países e igrejas, numa sinergia”
- “Compartilhar capacidades e experiências, nós todas estamos dando e recebendo”
Estas são algumas das reflexões do grupo que se encontrou em Brasília na Oficina Latino Americana contra o Tráfico de Pessoas. Este aconteceu na cidade de Brasília, capital do Brasil, de 6 a 11 de novembro, acolhido pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e organizado pela Aliança Anglicana (Anglican Alliance) e o Exército da Salvação, com um momento final junto com a Cáritas Internacional e a sua rede global contra o tráfico, COATNET.
Esta foi a terceira oficina regional organizada pela Aliança Anglicana e o Exército da Salvação. O evento reuniu lideranças das igrejas anglicanas, episcopais e do Exército da Salvação na América Latina. Participantes das duas denominações vieram do México, Peru, Costa Rica, El Salvador, Panamá, Venezuela, Paraguai, Argentina, Chile e Brasil. Houve também participantes da Igreja da Inglaterra e da Igreja do Canadá compartilhando o seu trabalho de enfrentamento ao tráfico e migração forçada nas suas províncias.
O evento trabalhou sobre o extraordinário ministério que as participantes desenvolvem focado no sofrimento que é provocado pelo tráfico de pessoas em seus contextos. Esses exemplos incluem: trabalho com prevenção nas comunidades locais, iniciativas com jovens que se tornaram agentes de transformação e educação entre eles e elas, exigindo ações para garantir que os governos cumpram seu dever constitucional de proteção e apoio às vítimas, apoio ao aspecto jurídico envolvido nos processos de acusação de perpetradores, apoio às pessoas para que elas possam escapar da situação de escravidão e aceder aos serviços de apoio e proteção, proteger especialmente jovens que foram traficados pelas gangues em alguns países, manter uma presença pastoral nos bairros e lugares onde se possa ajudar as trabalhadoras e trabalhadores do sexo a encontrarem alternativa para suas vidas, providenciar ajuda concreta para pessoas contrabandeadas através de algumas fronteiras e que estão em risco, sendo potencial vitimas de traficantes.
O encontro começou com uma reflexão bíblica feita pelo Facilitador da Aliança Anglicana para América Latina, Professor Paulo Ueti. “ Não se conformem com os esquemas deste mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente para que escolhas o que seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2). No contexto da escravidão moderna e do tráfico humano, este verso parece ter uma particular ressonância.
O grupo refletiu que “conformar com esse mundo” significa ser cúmplice com o consumismo onde até pessoas estão para serem negociadas. O Papa Francisco chama isso de “a globalização da indiferença”. Ser transformada é ser renovada, renovar a mente e a perspectiva de alguém, ver as coisas com os olhos de Deus. Nós somos chamadas a falar publicamente de maneira profética sobre nosso compromisso contra o tráfico de pessoas e construir uma sociedade que saiba cuidar.
O grupo ouviu de uma pessoa que sobreviveu no Caribe que havia tentado entrar em contato com suas crianças nos Estados Unidos mas, ao invés disso, ela foi traficada para trabalhar como doméstica e prestar “serviços sexuais” no Brasil. Sua história revelou as complexidades legais e psicológicas da recuperação e reabilitação de alguém depois de tamanho trauma.
O encontro também escutou pessoas do Instituto Migração e Direitos Humanos (IMDH) sobre um grupo de 22 homens bengaleses que foram encontrados em tenebrosas condições de trabalho, o que para as leis brasileiras, foram descritas como “condições análogas a escravidão”. Os homens foram levados a acreditar que na verdade eles deviam seus patrões por causa da comida, acomodação e transporte que foram oferecidos a eles. Na verdade, prover tudo isso era obrigação dos patrões. Eles estavam então trabalhando para poder “pagar” o que supostamente deviam para poderem ter os seus documentos recuperados. Desde que foram resgatados, o IMDH os tem ajudado para entenderem sua situação, poder ter sua situação legal ajustada e então determinar quais são suas aspirações para o futuro. A situação destes homens foi amenizada pela doação de itens básicos pela comunidade e pela colaboração de pessoas voluntárias que os ensinaram a língua portuguesa. As Igrejas locais podem ser de muita ajuda nestas situações.
O objetivo do evento foi fortalecer as capacidades das igrejas para uma resposta efetiva ao tráfico de pessoas através da América Latina. Também quer definir boas práticas feitas pelas igrejas, com foco na prevenção, mas também em cuidado e apoio às pessoas sobreviventes. Também quer fortalecer a capacidade de incidência pública.
A questão do tráfico/escravidão está crescendo como crise global. Recentemente os dados são de aproximadamente 40-45 milhões de pessoas oprimidas em situação de escravidão em quase todas as partes do mundo, incluindo aqui América Latina e da América Latina para outras regiões. A questão foi levantada como uma prioridade em todas as consultas feitas pela Aliança Anglicana nos encontros regionais.
A consulta olhou para as rotas e o fenômeno da escravidão moderna e tráfico humano dentro e para/ desde a América Latina e considerou alguns desses aspectos, isto é: exploração do trabalho, sexual, servidão doméstica, tráfico de crianças, tráfico pelo mar, tráfico para as gangues (recrutamento), tráfico de órgãos. As pessoas discutiram as boas práticas para uma resposta efetiva das Igrejas e organizações baseadas na fé.
As discussões foram baseadas na estratégia desenvolvida pela Aliança Anglicana e pelo Exército da Salvação:
Prevenção: conscientização das igrejas e comunidades locais; programas de prevenção focados na demanda e na redução de vulnerabilidades.
Proteção: provisão de saídas para que as vítimas saiam da escravidão; abrigos, prover as necessidades imediatas, abrigo temporário e reabilitação, programas de prevenção do risco do tráfico; repatriação e reunir as famílias ou reassentar as pessoas envolvidas.
Acusação: encaminhar para serviços jurídicos apropriados, acompanhamento das pessoas sobreviventes durante todo o processo.
Parceria: com outras igrejas e outras agencias – ONGs, governo, ONU
Políticas púbicas: incidência local, nacional e internacional para ver politicas e legislação efetivadas e implementadas para mudar sistemas e prevenir/reduzir o tráfico de pessoas.
Participação: animar respostas individuais e corporativas em todas as partes das igrejas, incluindo aqui o material para o Domingo da Liberdade.
Oração: individualmente e institucionalmente ver as mudanças e procurar a orientação de Deus e sua bênção para esse trabalho.
Essa estratégia está baseada numa reposta holística para impedir o tráfico de pessoas. As pessoas que participaram do evento refletiram que a Igreja não precisa estar envolvida em cada elemento dela, ao invés disso pode ajudar a descobrir outras agencias que estão envolvidas e identificar quais são as lacunas e preenche-las. Com a presença de igrejas e comunidades locais, é fato dizer que elas tem um papel privilegiado na prevenção do tráfico, assim como em conectar as vítimas com as autoridades que podem com segurança salvá-las. Um relatório sairá em breve.
No dia final, as pessoas que participaram no encontro se juntaram ao grupo da Igreja Católica Romana, através da Cáritas Internacional, e sua organização em rede chamada COANET. Os dois encontros foram planejamos em conjunto para que todas as pessoas pudessem encontrar-se e se beneficiar umas com as outras das suas perspectivas, ideias e compromissos.
O grupo decidiu manter-se conectado através das mídias sociais, animar as províncias e dioceses da região para que se mantenham engajadas, incluindo criando para o ano que vem um material próprio para o Domingo da Liberdade.
Paulo disse que “o encontro marca um momento crucial para uma resposta de fé para esse diabólico negócio que é o tráfico de pessoas e a escravidão, que seja cheia de coragem, profecia e eficiência. As igrejas estão em lugar privilegiado para contribuir para impedir o trafico e a escravidão”.